Sou do futebol, vocês já leram essa informação em textos não tão longínquos assim. Era uma noite de Copa Libertadores, jogo grande, tive de ir ao Allianz, de onde saí apressadamente para percorrer algo como 20 minutos de carro. Confesso a vocês que depois de colocar a ARCA no meu GPS, lancei um Bee Gees, na deliciosa ‘You Should Be Dancing’, minha mais próxima referência pop oitentista para esquentar neurônios rumo ao debute de Glitterbox no Brasil.
Não tinha a opção de changeover no meu look – nada dançante e brilhante – apenas um moletom esverdeado com um PALMEIRAS retumbante às costas. Chegando no meu galpão preferido da cidade, estacionei o Vibez móvel no bom serviço de vallet oferecido, que me custou justos cinquenta dinheiros. Quando desci, recebi alguns olhares extremamente engraçados do tipo: ‘você?’, mas todos eles foram seguidos de sorrisos fáceis e um convite à pista.
Quando passei pela sempre excelente segurança da casa, imaginei um grande buraco de minhoca, aquele mesmo do suposto caminho entre eras, que me chamava pela mão a abrir portas da memorável Toco, que fez tanto sucesso durante o primeiro boom da House Music. Disposto à viagem, vi globos prateados, dançarinos exibidos, looks ousados, pés que faziam massagem no chão, num amor viril que não cessava. Para onde se olhava, pessoas explodiam em dança.
Isso é vibez na @Glitterbox 🥰 pic.twitter.com/zeTKVc7sTx
— VibezTV (@VibezFilms) June 9, 2023
Liberdade é, provavelmente, o melhor e mais fidedigno termo que eu venha a usar nesse pequeno relato sobre o que vivemos na primeira Glitterbox da história desta nossa carente terra. Sabem porque? Faço questão de uma voltinha no tempo (de novo, perdoem-me o excesso): desde o mundo pós pandêmico, a ARCA, e a cena eletrôncia nacional, fizeram ótimos eventos, mas qual deles era dedicado à dança? Num momento tão téc, tão cheio de internet, quando olharíamos para o passado? Pois bem, por isso mencionei a tal da liberdade!
Glitterbox estreando no Brasil ❤️ pic.twitter.com/VOd32kZpm6
— VibezTV (@VibezFilms) June 9, 2023
Caros, levem isso à risca. No camarote, um gostoso backstage com a curadoria style de Calvin Klein, ação tão incomum de ativação na música eletrônica, nos bares neon da Beck’s ou na pista, era uma zona franca de diversão. Mulheres dançavam com homens, que beijavam outros homens, que faziam amizades com mulheres, que tinham um caso de amor com outra mulher. Pessoas, (aleluia!), e que bom, pessoas que demonstraram afeto com pessoas, tudo isso dentro de um ambiente seguro, que cuida, que cura, que dá a certeza que tudo ali era sobre música e sobre bem estar.
A Glitterbox tem algumas coisas que me fascinam, também: todos os DJs, que não mencionei nominalmente para não ser injusto, tocavam no meio do público, numa versão mais horizontalizada de evento, com bailarinos pipocando por entre CDjs de centenas de reais, entre estruturas metálicas de muita luz, para delírio de quem ia ao front para uma foto cheia de lazer e pouca roupa. Quem assumia os fones não tinha cerimônia de dançar, rodar o corpinho e jogar as mãos pro alto. Era um bailezaço, irresistível, de fato e sem papo.
Fui mais pro fundo da ARCA para ver a fotografia completa do rolê e ela era uma passageira de Marty McFly em Back to the Future. A cenografia com mais cores que minha íris era capaz de processar, o background simples, sem qualquer abuso, os globos, que temperavam com uma fortíssima nostalgia o palco, tomado por pessoas das mais diversas caras, formas e jeitos. Era tanta informação simultânea que faria inveja a qualquer Boiler Room. No habitué de muita tela e pouca interação, a Glitterbox me trouxe esperança que a festa ainda pode ser focada no deslizar de solas contra o chão e no excesso de brilho.
Tinha glitter pra caramba, tinha pluma, tinha couro, tinha pink, roxo, rosa, tinha óculos chamativos, tinha gritos finos e estridentes em drops, tinha voz em cada letra conhecida, tinha caixas de som no último volume (talvez mais), tinha tudo o que essa pasteurizada música eletrônica moderninha diz que não haver. O menos é mais, não o do pagode, mas o ditado de esquina, vale zero centavos no que propôs e executou a Glitterbox. Lá, o mais era must. Era hit. Era um arraso, como disse um amigo de fila que fiz enquanto comia meu hambúrguer.
Quando vi que raios de luz, não de laser, mas do Sol, perpassarem pelo concreto do galpão que respeitamos, puxei meu time de campo com a sensação que presenciei o rolê que não exclui o futebolista, nerd e careta de quase 30 anos. Ele abraça, chama pra dançar e, se vacilar, oferece um beijinho safado. Dancei com The Shapeshifters e sem cerimônias emulei passos que vi em Dirty Dancing, na Sessão da Tarde.
Cabe todo mundo nesse universo tão gostoso que a House Music propõe. Esse review poderia ter mais 3 páginas para falar sobre o movimento, sobre as quebras de regra, sobre o tanto que essa pequena cena solidificou o espaço para que hoje percorramos, mas acredito que o grande recado é: vale a pena viver mais noites de contra-regra, de ser o lado B do suposto lado A. Rolê de preto e em silêncio é bom, mas você já provou bailar com ‘You Ain’t Love’? Deveria.
