Em um cenário musical que ainda carrega resquícios de desigualdade de gênero, iniciativas que promovem representatividade feminina tornam-se não apenas necessárias, mas transformadoras.
É nesse espírito que a Monodose Records, selo criado pelo artista Versatt, apresenta o compilado “Na Dose Delas”, lançado em 12 de setembro. Mais do que uma reunião de faixas, o EP é um manifesto sonoro que celebra singularidades, desafia padrões e reafirma o lugar das mulheres no coração da cena eletrônica underground.
A proposta da Monodose sempre foi clara: resgatar a essência da pista de dança com produções que transitam entre o minimal e o deep tech, sem amarras ou rótulos. A sonoridade do selo carrega groove, glitch e atmosferas psicodélicas que transportam o ouvinte para um estado quase ritualístico. Em “Na Dose Delas”, esses elementos ganham novas camadas, pois cada artista imprime sua identidade de maneira visceral.
Vozes femininas que moldam a cena
O EP reúne cinco produtoras de diferentes regiões do Brasil, cada uma trazendo sua história, influências e vivências pessoais.
TTAI, catarinense radicada em São Paulo, começou a produzir em 2021 e traz no single “Bad Sesh” a força do high BPM que marcou seu início no hitech, hoje reinventado em bases minimal e tech house. A track é conduzida por um lead que remete ao psytrance, aliado a vocais que ecoam a ideia de autonomia e autenticidade: não seguir o que os outros impõem, mas sim o que faz sentido para si. É a música “cabeça” do projeto e a que entra na playlist do selo, um símbolo de sua ousadia criativa.
Ìngryd Gobbo, do Rio de Janeiro, está na cena desde 2019 e se inspira por nomes como Ben Sterling e Pawsa. Para o novo som, ela rompeu com seu processo tradicional de produção e, ao brincar com o plugin Tantra, criou uma ambiência hipnótica cheia de texturas que guia sua faixa. É um convite a mergulhar em um transe sonoro que traduz a essência da pista.
NATT (BR), de Toledo, no Paraná, estreou na produção em 2020 e neste lançamento decidiu sair da zona de conforto. Com influências que vão do minimal ao trap, construiu uma faixa que desafia classificações, explorando texturas e variações rítmicas que expandem os limites de sua própria trajetória artística.
Emille Furtado, de Itajaí, atua desde 2019 e traz como inspiração referências como Gabriele Toma, Abbud e Fred Symmonds. Sua faixa combina a cadência do g-house com linhas de bateria marcadas pelo tech house. Um detalhe curioso é que toda a linha de baixo foi feita manualmente, nota por nota, reforçando o cuidado artesanal de sua produção.
Paolla B, capixaba que hoje vive em São Paulo, trouxe para sua música um elemento simbólico: o uso de um vocal feminino que conecta diretamente com o conceito do EP. Atuando desde 2022, ela explora sonoridades entre o house e o minimal, reforçando o protagonismo feminino não apenas no processo criativo, mas também na própria voz que ressoa na track.
Um EP que é manifesto
Cada faixa de “Na Dose Delas” é como um capítulo de um livro coletivo. Juntas, as músicas formam uma narrativa plural que enaltece a criatividade e a força de artistas que desafiam padrões e imprimem suas marcas na cena eletrônica.
O EP funciona como um mosaico, no qual cada peça é única, mas todas se conectam em uma mesma proposta: reafirmar que o futuro da música underground passa pelo olhar, pela sensibilidade e pela inovação das mulheres.
A Monodose, que nasceu da inquietação criativa, reafirma seu compromisso de ser mais que um selo musical. É um espaço de resistência, liberdade e experimentação. “Na Dose Delas” não apenas amplia o alcance dessas artistas, mas também lança uma mensagem ao mercado: a cena é mais rica, mais profunda e mais emocionante quando há diversidade de vozes.
O que vem pela frente
O selo já tem confirmados lançamentos até dezembro, que conta com projetos de artistas renomados da cena eletrônica e novos talentos que despontam em sonoridades autorais.
Mas o grande feito de 2025 talvez já esteja marcado: com este EP, a Monodose não apenas entrega música de qualidade, mas também planta uma semente de transformação, inspirando futuras gerações de produtoras e DJs a ocuparem seu espaço com coragem e autenticidade.
Mais que uma compilação, “Na Dose Delas” é um retrato da cena eletrônica em movimento, onde a arte feminina pulsa, inova e lidera caminhos que antes pareciam inalcançáveis.