Uma mente criativa é como um caminho sem placas, uma estrada sem destino final. É como mergulhar em um ambiente desconhecido com apenas um guia: a inspiração. Não há como colocar em um texto clássico, bem paragrafado e com um lead padrão, o que pessoas desta natureza tem a dizer. Por isso, a Eletro Vibez passou uma hora, sob árvores e longe do celular, ao lado de Kim Jackson para conhecer o Hydro House.
Sem tantos tchá tchá tchás, o papaizinho decidiu começar o papo sem tantas camadas do artista que ele não precisa fazer força pra ser. Mais singelo do que o habitual, caminhou pelo quintal de seu escritório enquanto voltava no tempo para contar sobre um dia que abriu caminhos para que chegássemos até aqui, no lançamento de um projeto que não é só sobre música – como tudo o que ele faz.
Sua apresentação aconteceria entre a de dois amigos, então, sua missão não era atormentar positivamente a pista de dança, mas era convidá-los para um flerte mais sutil, leve, que preparasse o terreno para quem viesse depois. Quis o destino que as coisas mudassem repentinamente, e Kim sobrasse a missão de fechar a festa. Como mudar de rota tão rápido, você pode se perguntar. Mentes como a de Kim não têm apenas um caminho a seguir, respondo.
Neste dia, sua decisão foi como a de encarar um animal selvagem com ainda mais selvageria. Tocar tudo aquilo que fosse um sensual tapa na cara de quem olhava e dançava sem saber o quê. O baile virou uma aula, e o termo aula virou uma brincadeira entre amigos. “Que aula, hein, papaizinho!”, disseram. E como um contexto muito familiar para ser publicado, o complemento veio: “Aula de Hidro”.
Hidroginástica, uma atividade coletiva, envolvente, energética, divertida e quente, como as pistas de dança tendem a ser (ou voltar a ser). A cena eletrônica, inclusive, parece estar deixando de ser um tango – melódico e mais lento – para retomar raízes mais frenéticas, fortes e entusiasmadas. Esse cenário, que qualquer grande evento vai provar, reflete, de lado a lado, o que o Hydro-House nasce para ser.
Como um espetacular aluguel latifundiário em seus pensamentos, uma conversa com seu pai – produtor, mentor e entusiasta – Kim passou a refletir sobre o conceito de Zeitgeist, que aqui vamos simplificar como um entendimento de costumes que definem uma época, ou mesmo uma pessoa. Porquê, então, não transformar esse set reativo em uma marca muito sincera e verdadeira da musicalidade que ele deseja viver e fazer?
A aula de hidro ganhou composições, ganhou caminhos artísticos e o endosso infalível do prazer em tocar, fazer e levar adiante. Depois de dar vida ao Chapter 19, experimental e subjetivo, esse novo capítulo é pensado para o chão, para a essência de uma festa, para o agito de uma pista de dança, ou “uplifting high-energy”, como aprendi com Murilo, braço direito de Kim.
Descobri, ao longo da conversa que fundou essa crítica, que o Hydro-House também olha com carinho pro trabalho que fazem artistas como Dennis Cruz, Solodom (Solomun B2B Dom Dolla), ANOTR, Marlon Hoffstedt, entre outros. Bebendo de fontes como essas, e dando munição a tudo o que já vivia inquieto em sua mente, ainda mais frenética, Kim faz emergir um movimento muito autoralista e com intenções claras, muito francas e sem rodeios.
Para dar vazão ao que se criou, o processo se completou com aquela que talvez seja a maior característica artística de sua vida: criar experiências amplas para falar e fazer música. Assim surgiu o evento de lançamento do EP, que foi.. uma aula de hidro. Sessenta pessoas se reuniram, de DJs mundialmente famosos a jovens, passando por senhores e senhoras de meia e avançada idade, para se exercitarem enquanto Kim tocava o seu Hydro-House. Pista, música, energia, pessoas – a materialização de todo esse escopo criativo tão complexo.
Depois de assistir às imagens da aula de hidro, de ouvir o que Kim tem a dizer e de olhar pro universo da música eletrônica com olhos mais críticos, fica fácil compreender que esse envelopamento criativo e inédito tem uma fundamentação musical extremamente potente, contestadora, incômoda e perturbadora a quem recusa entender os recados que o público dá. Através da arte, o Hydro-House trouxe alertas e caminhos. Esperto de quem souber o que fazer com isso.