Quando qualquer carro estacionava em frente ao MIS (Museu da Imagem e Som), a primeira reação era a surpresa com o movimento, já bastante frenético ainda antes das 20h, e um projetor imenso, que escrevia sobre a parede branca o nome daquele que seria a grande estrela da noite: em verde, com a tipografia estilizada, Jackson dava boas-vindas a todos nós.
Pelo corredor estreito e simpático, caminhamos com expectativa, seguindo pela sinalização que apontava a direção do “Chapter 19”, alcunha do primeiro álbum de estúdio de Kim, o homem que deu vida ao artista, ainda que eles se mesclem sem esforço, numa relação de simbiose – e de leveza, também. Como sabemos disso? Pelos abraços que se amontoavam ao redor do lounge que nos abrigava.
De calças largas e cinza, um sapato vermelho sem qualquer pudor de atenção e uma longa bata branca, o cabelo loiro, solto e aventureiro era um ponto de luz que se movia agilmente entre todas as pessoas que chegavam – sem pausa. O sorriso empolgado, a recepção acalorada e os olhos transparentes de alegria eram um spoiler do real motivo desse evento.
Kim juntou, a dedo, pessoas das mais diversas áreas, de grandes produtores de evento, empresários e artistas até singelos curiosos, com os maiores e menores graus de intimidade, de longe ou perto, para que pudesse contar a cada uma delas sobre seu trabalho. Mas não da forma padrão, com um texto, um vídeo e um mimo; mas da forma mais autêntica possível, de mão em mão, de afeto em afeto, contando sua verdade e abrindo as portas de sua intimidade. E com um músico-documentário!
Com pizza quentinha e Heineken na mão de todos, o ambiente, que já era íntimo, se tornou uma grande festa. Depois de acenar para todos, fomos convidados a entrarmos no belíssimo espaço de exibição do MIS, que foi rapidamente tomado – nenhuma cadeira sobrou, mesmo. Chegamos, então, ao momento que merece um reinício de pagráfo.
Pela lateral esquerda do palco, Kim subiu as escadas sob uma absoluta chuva de aplausos, gritos animados e brincadeiras de família. Com um microfone na mão direita, esteve agitado, andando de um lado a outro, contando suas histórias com a marca de seus dialetos – do “tchá tchá tchá” ao “nero nero”. Absolutamente visceral, só baixou a frequência de sua fala ao citar seus pais, homenageados com emoção.
O discurso de Kim é bonito desde o início, quando faz uma digressão para 2014, ainda na faculdade de administração, quando discursou para “uma plateia de desconhecidos sobre coisas da minha vida”, mostrando o quão especial era, dez anos mais tarde, poder falar para um novo auditório – mas dessa vez de pessoas conhecidas e queridas, que estavam ali por absoluto interesse, por amor e por consideração. “É muito fácil olhar para esses olhos”, disse.
Sua tarefa era divulgar o “Chapter 19”, primeiro álbum de sua carreira, mas longe de ser efetivamente seu primeiro capítulo. Como a alcunha descreve, esse material é o resultado de inúmeras vivências, do Kim diretor, empresário, manager, artista, músico, criador… de uma mente inquieta que faz do corpo sua extensão física, sempre alerta para expandir pensamentos, sensações e percepções.
Com 8 músicas e 3 interludes, o material propõe uma viagem sonora que não se apega a gêneros e nem fórmulas. JACKSON quebra o padrão também em sua produção e traz sonoridades originais, viscerais – tal como ele.
Aplaudidíssimo após apresentar seus parceiros de trabalho, com foco em Gabriel Brasil, que co-produziu “Chapter 19”, nos foi exibida em primeira mão o “Coleções JACKSON Chapter 19”, dirigido por Teodoro Pimenta.
Ao longo de 40 minutos, um material exuberante, gravado e editado por apenas uma pessoa, deu a nós a impressão de ter sido desenvolvido por um time de futebol completo, com reservas. Com estética noventista, misturando sons e silêncios, cores e escuridão, o filme é um mergulho na intimidade desse isolamento criativo.
A ambientação do músico-documentário é feita na Ilha do Ferro (AL), uma região pacata, monótona (e linda por ser assim), que abraçou de forma mais profunda e visceral os caminhos, ideias e lapsos criativos que envolvem a concepção de um álbum por completo. “Chapter 19” é, segundo Kim, “um lindo déjà vu entre lapsos e traços que marcam minha memória musical, manifestado em música eletrônica sem nem pensar em limites ou paradigmas”.
Poético do início ao fim, o filme explica sutilmente como as almas de JACKSON e Gabriel pousaram sobre um arquivo digital tudo aquilo que chega aos ouvidos deles como arte, de um batuque contra a mesa até o sintetizador que foi usado pelo pai de Kim, há algumas décadas, e que agora volta a ser fonte de criação nas mãos da nova geração. Ao fim dos créditos, e ao lado dos amigos de jornada, Jackson foi ovacionado durante 1 minuto e 28 segundos.
Deixamos o MIS com a clareza de que a arte, a genuína versão de arte, acontece assim, com simplicidade, com carinho, com abraços empolgados e com olhar apaixonado pela própria causa. Kim Jackson, Gabriel Brasil e todo time envolvido nesta noite elevaram o nível, abriram um precedente quase inédito, e que, queira o destino, seja mais seguido. O “Chapter 19” é uma deliciosa parte do que a música pode ser – muito além de 11 faixas.