Marshmello, a base de fãs, a força de um retorno e os limites da música comercial

Marshmello já não é só uma fantasia diferente há quase uma década, e nesse caminho, muita coisa aconteceu com sua carreira. Ninguém chega aos absurdos 30 milhões de seguidores no Instagram sendo irrelevante, mas o quanto de atenção deixamos de dar ao longo do processo? Qual é o último hit assinado por ele que você realmente conhece?

Te convido, então, para um pensamento mais amplo sobre base de fãs, raiz artística e como se formam estrelas. Christopher Comstock nasceu nos Estados Unidos e começou a produzir música muito cedo, como um jovem nerd que tinha profundo conhecimento de tecnologia. Em 2016, com uma marca curiosa e um capacete, lançou seu primeiro single, “Colours”, que ganhou relevância no universo dos gamers e da então recém-formada geração Z. 

Sonoridade pouco conhecida, foi motivo de alguma chacota quando furou a bolha, porque ganhou a identificação de “Trap”, mas sem as características padrão, e também foi chamada de “Future Bass”, que não tinha ainda uma jurisprudência clara para ser bem aceita na cena eletrônica, sempre tão fechada e pouco flexível. Nesse momento, um anônimo vestido de branco tocando uma música animadinha e com um marshmallow na cabeça não era o combo mais promissor do mundo. 

Até que um hit muda tudo, para sempre. 

No dia 13 de maio de 2016, Mello lança a track “Alone”, que foi reproduzida mais de DOIS BILHÕES E MEIO DE VEZES apenas no YouTube – está entre os 30 vídeos mais curtidos da história da plataforma. Após atingir a terceira posição no chart da Billboard nos Estados Unidos, que é o ranking mais prestigiado do mundo, a canção invadiu o universo dos games e se consolidou com um viral muito maior do que os muros do gênero ao qual pertence. 

Um fato curioso, porém:

O primeiro álbum de Marshmello é publicado em 8 de janeiro daquele mesmo ano, antes que ele explodisse mundialmente, e sem grandes sucessos até então. Por mais que os fãs – e eu estou entre eles – considerem essa a maior obra de sua carreira, é um material de pouca abrangência geral, até por serem apenas 10 músicas distribuídas em 35 minutos. E se você acha que 2016 foi O ano para ele, te falta saber de uma coisa muito importante: o EDC Las Vegas.

Antes, inclusive, um contexto:

Comstock é americano, o lugar do planeta Terra que mais ouve – informações da Billboard – Dubstep e suas derivações. Um público tão alinhado a essa sonoridade é o melhor berço para abrigar um filho local, e que surgiu como fenômeno repentinamente. Em março, o Ultra Music Festival deu a Mello a chance de tocar, e àquele momento, seu setlist foi composto majoritariamente por canções de outros artistas, com apenas 4 autorais, incluindo o remix para Adele e para a música-tema do jogo League of Legends.

Passamos de março para junho, em Las Vegas, quando um Marshmello já mais reconhecido e com um álbum debaixo do braço toca para muito mais gente, e se vê suportado por alguns nomes que merecem um parágrafo exclusivo.

Estrela mundial e vivendo um dos melhores momentos de sua carreira, Skrillex sobe ao palco com Mello, bem como o ainda jovem Martin Garrix, e a icônica imagem de Tiesto aparecendo no encerramento do set, vestido como Marshmello, retirando o capacete, e causando um frisson mundial a respeito da identidade daquele projeto, até então 100% disfarçado com a “fantasia”. Três dos maiores nomes da EDM estiveram ao lado de Comstock já naquele ano de ouro, e esse impulso foi fatal.

Após entendermos a base de fãs e o alicerce de sua carreira, um passo para o futuro:

Se fossemos listar todos os lançamentos de Mello, o texto acabaria na mesma página que a Bíblia, então alguns pontos de destaque: ao longo de pelo menos 3 anos, sua sonoridade de Future Bass se manteve, sempre ali no flerte com o Trap, e com elementos vindo dos jogos de videogame, a clara influência do universo geek. As capas de singles se mantiveram coloridas, com um caráter mais lúdico, vezes até infantil, o que explica sua enorme força entre os jovens. 

Reparem, inclusive, a presença de sua marca no Fortnite, no TikTok, no League of Legends e até no Roblox – a potência de Marshmello nessa fatia de mercado é poderosíssima, mas aí chegamos ao ponto central deste texto: três álbuns intitulados Joytime depois, tendo produzido um álbum inteiramente focado na música latina, sendo dono de hits de BILHÕES, sucesso nas rádios, quem é Marshmello? Quais são seus fãs? É possível ser tudo e preservar o alicerce?

No último dia 15, foi lançado o álbum The Roots, com os dois “oo” sendo escritos com o símbolo do infinito, e nele, Comstock parece ter se sentado com as mãos e a mente de 2016 para construir um novo Joytime, capaz de acariciar os fãs mais antigos, aqueles que foram a base forte para que o projeto tivesse em sua biblioteca canções como Friends, como Silence, e até como Merengue. Depois de testar tudo o que o mundo da música pode oferecer a um produtor tão talentoso, chegou a hora de voltar pra casa.

A mim, é uma satisfação saber que ainda existe no DJ consagradíssimo um pouco do magrelo de roupas brancas e toda a nerdice que ele trouxe pra cena. Todos nós, “os da antiga”, nos perguntamos por muito tempo se esse dia poderia chegar, por que sejamos cá muito sinceros: o que ele ainda precisa construir? Dinheiro? Não. Fama? Não. Sucesso? Não. Mas talvez exista em Chris e no codinome Mello algum sentimento de pertencimento que ficou meio escondidinho nos anos recentes.

Joytime tá de volta. E que bom.