Uma semana se passou desde que saí do show de Hardwell com uma sensação de frustração muito grande. Ainda antes do fim, deixei o palco principal do Ultra Music Festival e fui fechar minha jornada no minúsculo e já quase vazio palco dedicado ao Hardstyle. Logo eu, que sempre tive o holandês como um dos meus grandes heróis. Eu me sentia mal por estar com raiva do meu ídolo, mas era inevitável naquele momento.
Tal qual uma criança birrenta, criei na minha cabeça um retorno perfeito. A track de abertura era “BigRoom Never Dies” e o fechamento era com “Spaceman”, do jeitinho que a gente conhece. Uma hora de muitos clássicos, vários remixes com Hardstyle e um litro de lágrima por minuto de show. Pensei (e torci muito) que seria assim. No primeiro minuto, ele tocou algo que se parecia com Techno, um som sóbrio, talvez sombrio.
A questão, no momento, era que não era somente eu quem esperava pelo old Hardwell, mas quase todos os 50 mil presentes. A empolgação por revê-lo foi memorável. Muito emocionante ver tanta gente com camisetas com o rosto do ídolo, com bandeiras, bonés, com letras de músicas clássicas, achando, erroneamente, que estávamos todos ainda em 2018. E por esse deslize de sentimentos é que a volta teve essa quebra de clima.
Experiência ao vivo e egoísmo agudo
Eu posso explicar a vocês coisas que a televisão não quis ver e não deixou que vocês vissem. Logo de cara, no primeiro drop, a gente não entendeu tão bem o que era, o telão não mostrava o rosto de Hardwell, e tudo parecia uma grande introdução. Até que aos 13 minutos de show, ele foi mostrado nos LEDs gigantes, para delírio de todos. Bem no momento em que ouvimos acordes de Spaceman. Os celulares, que estavam guardados nos bolsos, foram içados ao alto, à espera de um espetacular momento. Era um hit lendário sendo tocado novamente.
Não, não era. Era uma versão mais ligada ao Future Techno, com menos melodia e mais grave. Ao vivo, pouco notamos a referência ao clássico, um drop totalmente diferente, e esse foi um balde de gelo na cabeça de todos. O silêncio mais silencioso que ouvi durante três dias de UMF. Com exceção ao front, o público baixou os celulares, baixou um pouco a cabeça, e engoliu que estávamos todos vendo uma situação nova, uma versão nova e uma música nova de um ídolo do passado. Como o tempo, ele também mudou.
Eu não fui maduro o suficiente para entender isso na hora. Fiquei bicudo e fui embora. Egoísmo meu, obviamente. Não me importei, na hora, com a alegria de um ídolo, mas só com a minha. E assim me mantive por uma semana. Até que resolvi escutar ‘Into de Unknown’, nas plataformas digitais, com um bom fone de ouvido, e de coração aberto para as novidades. Foi quando me arrepiei ouvindo a mensagem, pensando na história e me entregando à canção. Não era Hardwell o errado, era eu.
Coração aberto e respeito ao novo
Decidi, então, colocar na televisão, em 4K, o set dele que eu havia visto, não inteiro, ao vivo, do canto direito do palco do Ultra. Não era exatamente como eu havia visto, nem tão diferente assim. O público realmente não esteve de corpo e alma ao momento, porque esperava por algo diferente (ou igual) e encontrou uma revolução absoluta. E essas mudanças não era somente sobre sonoridade, mas identidade visual, sobre cores, sobre mensagens, sobre ele como pessoa. E os detalhes estavam bem na nossa cara, mas não fios hábeis para notar.
A Revealed tem vários (VÁRIOS) lançamentos com essa mesma musicalidade que o ídolo trouxe em seu retorno. Óbvio, porra. Ele é o dono da parada, ele é grande mentor da label. Porque não vimos isso antes? Porque preferimos criar um mundo no qual Hardwell foi colocado numa cápsula criogênica e retirado de lá minutos antes do seu show. Claro que ele usaria esse tempo para testar coisas novas, para mudar o que havia feito por décadas e o que havia o saturado ao ponto de fazê-lo parar. Nossa análise foi pouco esperta.
Me parece óbvio que estamos assistindo a uma fase de Hardwell, que hora mais, hora menos, vai aparecer tocando o velho Big Room, o querido Hardstyle, mas também o Future Techno, que hoje é seu material de trabalho, que é sua nova turnê, que é o som que dá vazão à sua marca: Rebels Never Dies. Em suas músicas novas, ele fala sobre lendas nunca morrerem. Talvez esse seja o maior dos recados. A lenda tá viva, mas tocando de forma diferente.
Restando pouco mais de 10 minutos pro set acabar, Hardwell tocou ‘Nothing Else Matters’, uma escritura brilhante da banda Metallica, que diz:
Never cared for what they say Never cared for games they play Never cared for what they do Never cared for what they know
Algo como não ligar para ninguém, para nada, mas para o que ele quer fazer. Porque tem convicção. E ao fim desse verso, executou um drop fortíssimo do seu novo som. Não era acaso, era explicação. Era seminário. Era aula. Era ele explicando seu novo momento sem precisar tocar no microfone.
Mais adiante, tocou uma track que dissertava sobre a House Music e sobre estar no local ao qual pertencia e onde queria estar. Hardwell me parece estar feliz, me parece empolgado com seu trabalho, e, pô, acho que a gente já perdeu um grande ídolo porque ele não conseguiu superar a tristeza. Se agora um deles foi capaz de achar a paz com um novo trabalho, eu que engula minha raivinha e comemore por ele. A música é sobre abrir o coração e expandir horizonte. É sobre ambiente e conexão.
Vimos Guetta mudar, estamos vendo Armin mudar, Nicky mudar, todos mudarem. Hardwell também mudou. A música, senhores e senhoras, ela está mudando. Ela hoje não é aquela de 2013, que batizou a todos nós, dessa geração, mas essa, com a qual estamos convivendo, vai marcar época também. É o retorno do mundo, é a volta de figuras lendárias, o surgimentos de vários Future’s, são novas vertentes dando alô para os palcos principais. O futuro não está mais por vir, mas está exatamente na nossa cara. Ao invés de brigar, eu decidi dançar.
Seja muito bem-vindo, Hardwell. E desculpe pela minha pouca maturidade.