Com música nas veias e foda-se na alma, Victor Lou é a contra-regra da cena. Ele não liga pros meios, nem pro holofote. Ele é da sombra, mas é nela que a magia acontece. Nas palavras serenas, no olhar desconfiado, cabeça baixa para se precaver, mas o olhar atento não disfarça a sagacidade de quem produz para todo o mundo sem precisar sair do quarto na casa dos pais, no interior do Brasil. No quintal onde nasceu, e onde quer viver para sempre, ele fez de Paulo, o Lou.
Victor fala de si com pouquíssimos disfarces, para ser exagerado. Suas palavras soam como uma surra de verdades que nem ele sabia que alguém poderia se interessar em saber. Conta sobre suas glórias como quem explica como foi o café da manhã, numa mescla cômica de conformidade e paz de espírito, é objetivo, processo, causa, trabalho e consequência, como diz um amigo próximo.
Ele não vive em uma mansão de luxo em um condomínio enorme. Ele vive com seu pai, o senhor Paulo Cardoso, que fala sobre o filho com o carinho e admiração que abrilhantam os olhos. “Ele diz que está produzindo, sempre com o computador nas mãos”. Talvez ele não saiba bem como funcionam os processos e métodos do cara que tirou dos teclados e do coração uma sonoridade que tomou o bairro, o estado, o país e foi buscar o mundo. Seu pai, Paulo, assiste, de camarote, o Desande acontecer.
O Desande
Se, tecnicamente, o papo aqui é sobre uma sonoridade que caminha entre o underground e o mainstream, para Lou, que tem o DNA de paternidade sobre esse sucesso global, as referências são outras. Ao definir a vertente, ele fala sobre família. Um lugar seguro. Uma ideia que surgiu em seu terreno, com seus amigos, em sua cidade. Em seus sonhos, seria algo que o país poderia gostar. E nada mais.
Recém chegado dos Estados Unidos após uma turnê gringa longa e consistente, ele poderia ter alongado seu trajeto à Europa, à Ásia e até à Oceania, se não fosse a pandemia. O mundo se tornou quintal para Lou.
O Desande, como essência Goiana e altamente representada pelo próprio Victor Lou, influencia jovens não só de Goiás, mas do mundo. Ele faz de seu trabalho e sua sonoridade uma bandeira de vida para os seus. E por mais que as palavras ligeiras e curtas dele não queriam contar, as histórias boas chegam aos ouvidos de quem reporta essa matéria e tenho convicção que elas merecem luz. A música como incubadora social.
Causas Sociais
Com 100 reais e uma GoPro no bolso, eles começaram com aquilo que era uma hipótese remota de ser convertido em um produto de sucesso. Hoje, eles são um time. Com profissionais para todas as áreas, com capacidades variadas e complementares, em um espaço sustentável mental e financeiramente. Eles vislumbraram o trabalho como essência e o sucesso como consequência. E é assim que querem promover quem vem atrás. A mão estendida por mais histórias de progresso.
No que depender de Lou, suas ações ficam em silêncio. Gosta de fazer, não gosta de falar. Quem recebe o carinho, no entanto, não esconde. Na praia, já ajudou tornar o espaço mais limpo, num projeto colaborativo. Para uma menina adoecida, investiu o necessário para ceder a ela a cirurgia que precisava. E nunca foi pela reação, foi pela ação. Foi pelo bem. E através da música, quer formar novos Lou´s. E isso passa diretamente pelo seu quintal de casa.
De costume, Lou recebe em seu estúdio jovens produtores e os ajuda a encontrar uma direção. “A molecada talentosa”, única fala dele sobre esse projeto, é lapidada e encaminhada ao rumo da profissionalização. Com a música eletrônica, Lou se encarrega da missão. Com os que amam e fazem Funk, Hip Hop e Rap, ele é a ponte entre o sonho e o sucesso. Ajudar é ser caminho e ensinar os meios, oferecer o espaço e recomendar as ações. Nunca foi sobre como, mas sobre porquês. O coração do DJ marrento é de um menino goiano que nunca deixou de acreditar.
Personagem ou lifestyle?
Acho que você falou bem. Sou ‘foda-se’ mesmo. Não ligo muito pras coisas que não importam, é isso”.
Questionado sobre se seu óculos, seu semblante sério e suas poucas palavras eram uma persona artística ou apenas reflexo de sua verdade, essa foi a resposta de Lou. Provavelmente ele não pudesse ter sido mais feliz na hora de se definir. Ele não montou o Lou acima do Paulo Victor. Ele simplesmente evidencia quem é e como pensa o homem do Desande.
Nunca foi sobre exibir marra ou fazer graça. Os óculos protegem a timidez ao enfrentar centenas de milhares que retribuem o olhar. A postura séria cuida com carinho do artista que é tímido, contido e avesso aos holofotes. Ele faz seu trabalho. Sabe bem que seu modo de agir impactou pessoas e trouxe identidade. O mistério foi publicidade e foi proteção, funcionou nas duas necessidades e não há de mudar. Em Senador Canedo ou no Lollapalooza, ele é o Paulo Victor. De óculos e cara fechada, aliado ao Lou.
Frustração e Esperança
O próximo passo que ele sonhou em dar seria dividir o dia de festa com Djonga e com Travis Scott, a quem chama de referências. Fã de rock, de rap e até do sertanejo de sua terra, que ‘dependendo da música, me faz emocionar’, Lou contou que o Lollapalooza era uma expectativa enorme que viveu. Estar num palco tão importante e na presença de tantos nomes gigantes seria uma experiência linda que a pandemia tristemente adiou. E os festivais são queridos pra ele.
A Só Track Boa, inclusive, ele parou alguns minutos para contar sobre e foi muito claro ao chamar de família:
Todo mundo se conhece, as pessoas da pista se conhecem, os produtores, os DJs, o staff, todo mundo tem carinho com todo mundo e com o nosso trabalho. Me sinto literalmente em casa e não vejo a hora de voltar para lá, a tocar. Meu último momento com algum festival foi uma live do #LollaEmCasa, um show que se tornou o mais visto desta série que o Lolla fez”.
Victor Lou nas palavras de Victor Lou
As coisas estarão diferentes em alguns aspectos, mas a essência de quem somos não vai mudar. No estúdio tento passar o que estou vivendo no momento, meus ouvintes podem esperar verdade nos meus sons e isso vai acontecer de novo nas pistas quando for possível. Gosto de músicas sentimentais, místicas. São as sensações que mais procuro quando estou de olhos fechados com o fone de ouvido dentro do avião indo pra qualquer lugar.”
Perguntado sobre sua turnê nos Estados Unidos, ele é enfático:
Gosto da ideia de plantar sementes por aí e depois colher, onde for, mas como resultado do meu trabalho e do que eu sou. É meu propósito como artista e motivo principal da minha carreira, da minha vida e do que faço.”
Propósito esse que ele usa também para olhar a cena no macro, para todos os espaços e sonoridades. Com essa ideia em mente, indica à reportagem alguns dos artistas que soam a ele com grande potencial para ganharem destaque no futuro. Hoost, Douth!, Gommez, Mochakk, Sterium, KZN, Daft Hill e Cour T..
O Shark
Paulo Victor Cardoso lançou seu primeiro hit em meados de 2014, denominado “Back”. Já em 2015, com a aclamação do público, sua brilhante trajetória apresentando-se pelo Brasil. Três anos depois, ao longo do ano de 2018, lançava seu remake para a faixa “Suavemente” obtendo grande sucesso até nos dias atuais. Em novembro, lançou seu maior sucesso: “Untitled”. No início de 2019, lançou sua música “This Is House”, que ultrapassou barreiras e o levou a outro patamar.
Patamar dominado pelo Shark. O apelido que ganhou ainda muito jovem, depois de um filme da sessão da tarde. Ele não faz questão de fugir do apelido, diz que gosta do animal, dessa visão objetiva dele para com o mundo e com a conquista. Assumiu a alcunha que ainda ganhou a persona marrenta como companhia e trouxe o Victor Lou para o protagonismo absoluto da música eletrônica. E você, nesse texto, teve a chance de entender quem é Paulo, quem é Lou e como o Desande uniu mundos. É tudo sobre música.
Pelo legado.