O ápice do surto de coronavírus reascendeu o debate envolvendo os efeitos prejudiciais que os cancelamentos de shows podem afetar em todos os níveis a carreira e, no geral, a vida de DJs, artistas independentes, compositores, produtores e afins do cenário eletro-musical mundial. No caso, as consequências podem ser as mais variadas possíveis, desde o lado financeiro até a própria logística profissional.
Antes de mais nada, precisamos pensar no impacto primeiramente em quem realmente vive de música eletrônica. Ainda que a queda do espaço da música ao vivo tenha ocorrido na era do streaming, a grande maioria dos músicos profissionais, no geral, continuam dependendo fortemente de turnês e apresentações como a principal fonte de renda.
Portanto, não é segredo para ninguém que muitos DJs e produtores da cena, especialmente da parte mais underground, sobrevivem com o dinheiro oriundo de shows, que notavelmente é a maior e mais rápida forma de obter sucesso acoplado à obtenção de dinheiro.
Além do mais, isso atesta a importância, em todos os quesitos, da subestimada “indústria do ao vivo”, desvalorizada principalmente por quem está no topo. Para os DJs de menor ênfase midiática que, no caso, são os mais afetados, é um rude golpe capaz de influenciar negativamente em altos níveis da escala global.
Do mesmo modo, os produtores musicais individuais também estão entre afetados, muito por conta de que boa parte ainda depende de royalties das músicas autorais tocadas em performances ao vivo. Logo, quanto menos shows, menos são os potenciais ganhos com as produções. Inclusive, por isso mostramos aqui outras formas de ganho na cena, para não dependerem exclusivamente de shows.
Semelhantemente, as agências de bookings e gestão de carreira seguem a mesma premissa negativa e deixam de ganhar dinheiro com cancelamentos de eventos. Além disso, são nas performances ao vivo que geralmente acontecem os lançamentos de músicas novas e que ainda não foram divulgadas para o grande público. Em um raciocínio bem simplório: se não há evento, o DJ não toca e, consequentemente, as agências não monetizam.
Sendo assim, sem o entretenimento propriamente dito, como a música eletrônica em si sobreviverá? Vale ressaltar que, na atual circunstância brasileira e mundial, não há a previsão de um possível retorno de datas para eventos com aglomerações, como é o caso de basicamente todas as festas, festivais e ademais eventualidades.
No geral, a única saída é uma readaptação de todos os grupos presentes no cenário eletro-musical. Do lado dos artistas, é um bom momento para realizar ou repaginar o planejamento de carreira, além de uma reconsideração de estratégias reais e virtuais. Como de praxe, o caminho mais óbvio e provavelmente mais prático é o aumento alinhado à divulgação de produções, que seguem sendo, depois de performances ao vivo, o carro-chefe do principal engajamento artístico.
Por outro lado, produtores de evento, agências de DJs e afins estão em uma situação praticamente “sem viradouro”. Até o momento, a principal escapatória é a criação e a implementação de novas estratégias de conteúdo como, por exemplo, o incentivo ao consumo de músicas e o pedido de aguardo para reembolsos visando surpreender o público em uma próxima data.
Reprogramar, mudar métodos e pensar em inovações: parece clichê, mas no momento atual, não é. Por mais babélica que a situação demonstre ser, dependendo do jogo de cintura de cada um, claro, o caos de cancelamentos pode vir a ser um marco importante e positivo na indústria da música eletrônica mundial.
Com um olhar mais otimista, não seria loucura almejar um avanço por uma cena menos robotizada do ponto de vista da constante e desgastante rotina. Como quase toda mudança é precedida de uma crise, talvez as lições decorrentes marquem novos caminhos para a readaptação de um cenário que respira por aparelhos, mas segue vivo.