Há músicas que nasceram para tocar, e há músicas que nasceram para permanecer. “Insomnia”, lançada em 27 de novembro de 1995 pela banda britânica Faithless, pertence ao segundo grupo.
Três décadas após sua estreia, a faixa não apenas resiste ao tempo, como continua soando atual, quase profética, na forma como traduz a exaustão mental da vida contemporânea. Sua estrutura progressiva, seu vocal áspero e sua sinceridade desconfortável permanecem como um espelho da ansiedade moderna, irradiando força e vulnerabilidade em igual medida.
A canção, escrita pelo vocalista Maxi Jazz, dá voz ao tormento da vigília. A frase “I can’t get no sleep” não funciona como um refrão convencional. Ela ressoa como uma confissão urgente, uma espécie de mantra que captura a incapacidade de desligar quando o corpo cede, mas a mente insiste em continuar alerta.
Em vez de mascarar o incômodo, Maxi Jazz o expõe, aproximando a narrativa do ouvinte que, em alguma madrugada silenciosa, já encarou a solidão da própria cabeça. O peso da letra se amplifica quando colocada sobre a base hipnótica criada por Rollo Armstrong e Sister Bliss. O beat repetitivo funciona como o tique-taque ininterrupto de um cérebro cansado, incapaz de encontrar repouso.
O famoso riff de teclado, que se tornou um dos mais reconhecíveis da cena eletrônica dos anos 90, entra como uma descarga de energia que traduz em som aquilo que o corpo sente após horas sem dormir: um misto de adrenalina, euforia e desorientação.
O Faithless surgiu em Londres em 1994, formado por Rollo Armstrong, a DJ e multi-instrumentista Sister Bliss e o rapper e vocalista Maxi Jazz, que viria a falecer em 2022. A química entre eles produziu um catálogo que atravessa gêneros como House, Techno e Trip Hop. “Salva Mea”, “God Is A DJ” e “We Come 1” solidificaram a identidade do trio, mas foi “Insomnia” que os lançou à história.
A faixa conquistou rapidamente posições expressivas nos charts, acumulou certificações e se tornou referência estética, influenciando gerações de produtores que encontraram na sinceridade crua do Faithless um convite para transformar vulnerabilidade em linguagem musical.
O impacto cultural de “Insomnia” vai além das pistas. A música se tornou símbolo de um mal-estar universal, aquele que surge na madrugada quando a mente escolhe revisitar dívidas, preocupações e fracassos com uma nitidez cruel.
Esse estado de hiperconsciência faz com que cada detalhe pareça maior do que realmente é, como se a insônia amplificasse tudo ao redor. A progressão da faixa simula esse processo: começa tensa e contida, cresce até um clímax que parece libertador, mas retorna à mesma inquietação inicial, reafirmando a sensação de ciclo interminável.
Nos últimos anos, em um mundo acelerado por hiperconexão, crises e sobrecarga emocional, “Insomnia” ganhou novos significados. Há quem encontre nela conforto, quase como uma companhia dentro da noite em claro.
Outros a interpretam como uma crítica velada ao ritmo produtivista que exige mais do que o corpo pode dar. Seja qual for a leitura, o resultado permanece o mesmo: a música é um registro honesto da falha humana em controlar o próprio tempo.
O Faithless seguiria lançando sete álbuns de estúdio, incluindo “Champion Sound” em 2025, primeiro trabalho sem Maxi Jazz. Mas a ausência do vocalista não diminui a marca que ele deixou. Maxi Jazz criou uma das personagens mais reais da música eletrônica: um narrador que não busca glamour, apenas sobrevivência mental. Sua fragilidade virou arsenal artístico, e sua dor tornou-se universal.
Trinta anos depois, “Insomnia” se mantém como uma obra que ultrapassou o status de clássico. É documento, confissão, catarse. É a tradução sonora de uma humanidade inquieta que ainda tenta, noite após noite, se reencontrar consigo mesma.







