Drum and Bossa – O legado do Drum and Bass na cena musical brasileira

A música só pode existir na sociedade pois ela pressupõe executantes e ouvintes. Ela está aberta a todas as influências que a sociedade pode exercer, bem como às mudanças nas crenças, nos hábitos e costumes sociais. (Raynor, 1972, p.9)

Vivemos em uma enorme bolha global, onde as fronteiras são quebradas pela facilidade de acesso à internet, o que possibilita um acesso à diversidade cultural e a criação de produtos híbridos como consequência dessas interações. Produtos que convivem com a indústria de massa, gerando uma tendência à homogeneização dos gostos. 

Ricardo Cravo Albin, famoso jornalista e premiado estudioso da música, afirma que “os fundamentos da Música Popular Brasileira são a permeabilidade de nossa cultura benignamente imperfeita”, ou seja, o cenário musical brasileiro é multifacetado e é passível de mudanças a todo instante, quanto mais os anos passam, mais rápido uma música ou estilo se torna obsoleto. 

O que foi sucesso ou não há algumas décadas pode ser descrito hoje sob outra forma e sob outras intenções musicais. Por exemplo, a música “Chiclete com banana”, de Gordurinha e Castilho, foi gravada por Jackson do Pandeiro, em 1958, numa versão chamada por ele de Samba-Rock. Em 2004, foi regravada pela cantora Karla Sabah no seu disco de estréia no qual encontramos duas versões em Drum and Bass. 

Para entender melhor esse relacionamento entre o Drum and Bass e a música brasileira, vamos conhecer um pouquinho as origens da discotecagem no Brasil:

A ORQUESTRA INVISÍVEL

No final dos anos 50, o centro da cidade de São Paulo possuía famosos salões de baile, que eram frequentados e organizados pela mais alta sociedade paulista, os socialites. O ano era 1958, quando Oswaldo Pereira, que viria a se tornar o primeiro DJ do Brasil, trabalhava em uma assistência técnica de rádio e decidiu montar um pequeno equipamento de 100 watts de potência com Toca-discos. 

Naquela época, se você quisesse ter música em sua festa, era preciso contratar uma banda, ou uma orquestra, que viria a tocar os maiores hits do momento, o que acabava saindo muito caro, principalmente para as classes mais baixas. E foi assim que Oswaldo, num primeiro momento, começou a animar festas e casamentos no seu bairro, Vila Guilherme, periferia da Zona Norte de São Paulo. 

Munido de seus equipamentos, incontáveis discos, e muita genialidade, Oswaldo criou uma forma extremamente inovadora de levar música de qualidade às festas por um preço muito mais acessível do que contratar uma banda inteira. E foi assim que surgiu a “Orquestra invisível” – um novo negócio para classe média-baixa que agora possuía seus próprios bailes. 

DISCO MUSIC

Antecipando a música eletrônica de fato, no final da década de 70, presenciamos a onda da Disco Music, que logo tomou força entre a classe média e se popularizou no meio dos socialites, artistas de TV, surfistas e anônimos. Enquanto isso, nas periferias surgia o movimento o qual a mídia chamava de “Underground”, rótulo criado para segregar o que era o “comercial”, bem visto aos olhos das classes altas e o som que se ouvia nas danceterias do subúrbio. 

O chamado Underground permitiu que outros estilos se desenvolvessem, como a Dance Music, o House, o Techno e, na década de 90, o “Jungle”. Todos esses estilos têm sua criação e origem na Europa viabilizada por novos equipamentos como o sequenciador e o sampler, a partir dos quais se elaboraram as batidas eletrônicas. 

O “BRAZILIAN DRUM AND BASS” 

São Paulo, 1993. A abertura da casa “Sound Factory” (na Penha e em seguida em Pinheiros), uma casa underground, foi um importante ponto de partida para DJs e produtores que viriam a se destacar no Drum and Bass. E foi justamente nessa época em que a cena eletrônica começou a ganhar força, as casas começaram a dar espaço para estilos como o Acid House, movimento muito influenciado pelo DJ Marquinhos MS, que estava sempre antenado na cena européia e trazendo referências para o Brasil. 

Segundo Bruno E., importante precursor do Drum and Bass no Brasil, nesse período as rádios interferiram na cena eletrônica a partir do momento em que rotularam como “Dance Music” o estilo mais comercial que estava sendo tocado e que provinha da Itália, denominado “Ítalo House”. Sendo assim, os estilos mais autênticos que não se preocupavam em serem ouvidos nas rádios ficaram restritos ao “Underground” 

Wagner Ribeiro de Souza, mais conhecido como DJ Patife, atuava como DJ em diversos clubes e eventos, chegando a tocar estilos como Black Music, Rap, R&B, Funk e Soul, passando desde Samba até Valsa, época em que animava festas de casamentos, 15 anos e bailes. Por volta de 1993, através de seu amigo Marky, que trabalhava na loja de discos Stuff Records e tinha acesso a material importado, conheceu o Hardcore, gênero que evoluiria para o Drum and Bass. 

DJ Marky, um dos “padrinhos” do Drum and Bass no país, sempre buscou tocar em seus sets, gêneros diferentes do que a maioria dos DJs estavam tocando, e assim passou pelo House, Techno, entre outros. Porém, logo esses estilos começaram a ganhar certa visibilidade e chamar a atenção de outros DJs, e foi aí que ele sentiu a necessidade de mudar sua linha de som, e acabou optando pelo Drum and Bass. Marky trabalhou em casas como a Overnight, a Toco e a Columbia. Porém, a inauguração da L.O.V.E. lhe deu uma maior visibilidade, e foi justamente lá que começou a inserir o DnB em seus sets com mais frequência.  

Julião, Renato Lopes e Mau Mau foram outras peças importantes para o florescer da cena, porém o grupo que passou a investir pesado no Drum and Bass junto com Patife e Marky era composto basicamente por Xerxes, Koloral, Andy, Mad Zoo, Bruno E., DrumMagick e Will. 

A partir de 1998, após ter tocado inúmeros estilos, Patife resolveu se dedicar exclusivamente ao DnB, e passou também a promover festas desse estilo, e assim surgiu a “Movement”, porém, esse nome já era registrado de uma festa inglesa, e foi aí que Patife, em uma atitude corajosa, pediu ajuda aos seus amigos, juntou dinheiro, parcelou o dinheiro da passagem e foi para Londres mostrar vídeos de sua festa em fita VHS para os promotores do evento. 

Encantados com a festa do brasileiro Patife, os produtores ingleses perceberam e adoraram o mercado promissor e, em 1998 mesmo, fecharam acordo com ele autorizando a utilização da marca Movement, assim como reconhecendo-o como representante no Brasil desta festa. E foi aí que o movimento começou a ganhar cada vez mais força no país, melhorando muito as coisas para o grupo de trabalho do DJ Patife. 

No entanto, a verdadeira virada de chave ocorreu após o fechamento do acordo, quando o DJ resolveu tocar em seus sets uma mistura do Drum and Bass com MPB, e mesmo sem produzir ainda, já haviam alguns DJs fazendo essa mistura, como Xerxes, Mad Zoo e Ramilson Maia. 

Rio de Janeiro, 1997, Carlos Albuquerque ou Calbuque, como é mais conhecido, DJ e repórter, organizou a primeira festa Drum and Bass da cidade, a famosa “Febre”, na discoteca “Guetto”. Antes de se dedicar ao estilo, tocou muito Reggae e seus subgêneros, como Dub, gêneros que influenciaram fortemente sua migração para o DnB. Foi um dos chefes da coluna de cultura underground, Rio Fanzine, do Jornal “O Globo”. Após ele, outros DJs como Marquinhos Mesquita, Marcelinho da Lua, Mario Bros, Lúcio K entre outros vieram seguindo esta ideia. 

Em 98, também na casa Guetto, Lúcio K fundou a festa “Plastik” (famosa pelos flyers em plástico retroprojetor, em que ele mesmo imprimia, cortava e fazia o acabamento com spray prateado). Essa foi a primeira festa a reunir MCs juntamente com percussão ao vivo e DnB. 

E foi assim que, no final dos anos 90, uma forte cena de Drum and Bass se consolidou no país, as batidas quebradas e aceleradas caíram no gosto tanto da alta sociedade quanto dos Cybermanos (como eram chamados os clubbers jovens e de baixa renda, geralmente adolescentes trabalhadores da periferia de São Paulo) provando assim o caráter democrático dessa cultura.

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